Não denunciar também é uma forma de abuso

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Via Folha Extra:

A identificação de uma vítima de abuso não é uma situação fácil para qual existem estereótipos prévios que atestem o abuso, pelo contrário, é necessário uma série de investigações que devem ser feitas estritamente pelos órgãos competentes.

O delegado da Polícia Civil Miguel Chibani atuante na comarca de W. Braz explica que a maioria das pessoas que suspeitam de um abuso acabam inquerindo a vítima e fazendo a falar o que compete a ele ouvir primeiro. “Quando um educador, por exemplo, suspeita de que possa, em sua instituição de ensino, ter uma criança ou adolescente vítima de violência sexual, deve ele acionar o Conselho Tutelar ou dirigir-se à delegacia de Polícia local. Ninguém – professor, pedagogo, diretor ou conselheiro – deve questionar o ofendido, ainda mais se ele for criança”, explica.

Segundo informações da psicóloga jurídica Ana Paula Rossito Mantoan, na comarca brazense, a maioria das revelações de abuso sexual são feitas verbalmente aos professores ou membros das equipes escolares; pessoas que são de confiança das vítimas. “Nesta situação, da criança procurar alguém de confiança para contar, imediatamente após o relato, o Conselho Tutelar deve ser acionado ou a equipe da escola pode ir diretamente à delegacia”, esclarece Ana Paula.

Após seguir estas etapas, o delegado irá decidir se ouvirá a vítima ou não, bem como se sua família estará presente no momento do depoimento. Quando, por questões relacionadas aos fatos que levaram à denúncia, os responsáveis não podem estar presentes, as vítimas são ouvidas na presença de um conselheiro tutelar.

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Após o inquérito ser encaminhado ao Ministério Público e a denúncia do suposto abuso sexual ser acatada pelo Magistrado, é determina a “Avaliação Psicológica da vítima”, momento em que a psicologia jurídica entra no processo. Em cumprimento à determinação é dado início aos procedimentos que englobam uma avaliação psicológica, procedimentos esses que são de uso exclusivo do profissional de Psicologia.

“Durante a avaliação psicológica da vítima, que envolve visita domiciliar, entrevistas individuais com os responsáveis, com professores, pessoas próximas, familiares e amigos, contato com a rede municipal de proteção à criança e ao adolescente, observação lúdica e entrevista com a vítima, o psicólogo tem como objetivo situar as declarações dentro de um contexto mais amplo, identificando fatores de risco e de proteção para o desenvolvimento da criança ou do adolescente”, explica Ana Paula.

Ainda segundo a psicóloga, tais fatores estão relacionados tanto com as características pessoais da criança ou do adolescente quanto com o funcionamento familiar. “Quando os procedimentos são finalizados é elaborado um Relatório/Laudo Psicológico com as conclusões das observações realizadas durante a avaliação, e, em seguida, o documento é anexado ao processo e enviado ao Juiz”, conclui Ana Paula.

A avaliação citada tem como foco central a vítima e sua proteção, que supostamente já teve seus direitos violados, e, consequentemente, fornecer subsídios ao Magistrado na condenação ou absolvição do acusado.

NÃO É SÓ SEXUAL

O abuso sexual muitas vezes acaba sendo acompanhado de outros agravantes como violência doméstica psicológica ou física; uso de substâncias psicoativas; machismo; alcoolismo; dependência econômica e financeira; cultura onde a relação sexual entre pessoas da mesma família é permitida, entre outras.

A forma mais comum que é denunciada e judicializada é o abuso sexual intrafamiliar com contato físico. Portanto, a maioria das vítimas crianças e adolescentes são violentadas por pessoas próximas a elas, pessoas de seu convívio familiar, o que dificulta a constatação. Segundo o delegado Chibani, apenas em 2017, dentro da comarca, foram cerca de sete casos envolvendo familiares ou pessoas próximas como vizinhos. “No caso de criança – pessoa com até 12 anos incompletos -, em que o agressor mantém algum vínculo afetivo, ela acaba supondo que o abuso é normal, pois foi/é realizado por alguém que a vítima admira, confia, convive”, explica.

Ao todo, na cadeia pública local, são 16 presos pelo crime de estupro de vulnerável, sendo que todos os casos resultaram em detenção definitiva.
DENÚNCIA

Na comarca, os casos já revelados caracterizam que a maioria das famílias não sabiam, contudo ainda há muitos casos de omissão até por parte da mãe. “Muitos fatores podem desencorajar a notícia do crime, como a existência, no seio familiar, de alguém alcoólatra, que agride e ameaça a todos. Tantos outros têm medo do escândalo de eventual prisão decretada”, pontua Chibani.

No caso dos funcionários públicos que suspeitarem de um crime como este e se omitirem, existe o Art. 66 da Lei 3688/41 de Contravenções Penais que torna transgressão o ato de não comunicar à autoridade competente sobre o ocorrido.

Alguns fatores comportamentais podem ser muito subjetivos no momento de sugerir uma incidência de abuso, contudo queixas de dores físicas podem atestar com mais veracidade que algo não está certo com a criança. “No caso de atos libidinosos com contato físico, o sexo anal, por exemplo, a vítima tende a se queixar de dor ao evacuar, dificuldade para sentar, lesão nas regiões íntimas, enfim, sinais de contato sexual forçado”, destaca Chibani.

Comportamentos infanto-juvenis acabam sendo tratados com pouca relevância pela família, e de fato nem sempre indicam violência sexual, contudo alterações no dia a dia deles devem ser observadas com atenção, tais como queda no rendimento escolar, afastamento do convívio social, choro fácil e sem motivo aparente, comportamento violento ou sexualizado, tendem a dizer algo e cabe a todos observar e ficar atento aos sinais.

*Ana Paula Rossito Mantoan é Analista Judiciária Psicóloga do quadro de servidores do TJPR e filiada à ANJUD.

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