Por Ana Paula Rossito Mantoan
Quando dialogamos, conseguimos vencer as barreiras e construir caminhos que nos levam a colher bons frutos em nossa atuação profissional. É o que está acontecendo na Comarca de Wenceslau Braz, localizada no Norte Pioneiro do Estado do Paraná, que abrange três municípios: Wenceslau Braz, São José da Boa Vista e Santana do Itararé. Psicólogas (os) que atuam em diferentes setores na Comarca encontraram no diálogo entre a categoria e os representantes da Justiça a possibilidade de se organizar enquanto rede de proteção à criança e ao adolescente. Além de facilitar a busca pela garantia dos direitos a essa população, a mobilização enquanto rede tem permitido tanto aos psicólogos quanto aos demais profissionais envolvidos, o fortalecimento da própria atuação.
A necessidade de diálogo entre as(os) psicólogas(os) que atuam na Comarca passou a ser evidenciada no ano de 2015, período em que ocorreu aumento significativo de casos de violência sexual envolvendo crianças e adolescentes na Comarca. Cada caso tinha um fluxo pré e pós-processual peculiar – local da denúncia, forma de abordagem e acompanhamentos e tratamentos posteriores. Com o aumento da demanda, as determinações judiciais aos profissionais que integram as Redes Municipais de Proteção dos Direitos das Crianças e Adolescentes dos três municípios, também cresceram, principalmente as(os) psicólogas(os) que trabalham nas Secretarias Municipais de Assistência Social e de Saúde. Além disso, não há Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) em nenhum dos três municípios até o momento. Somente Wenceslau Braz conta com uma Equipe de Proteção Social Especial.
Os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorridos na Comarca foram, em sua maioria, no contexto intrafamiliar. Visando à proteção da criança e do adolescente, os profissionais da rede costumam ser oficiados pelo Magistrado para “acompanhar” (Psicólogo da Secretaria Municipal de Assistência Social) e “tratar” (Psicólogo da Secretaria Municipal de Saúde) as vítimas e as partes envolvidas, sempre com determinação de envios de relatórios mensais, ou, em alguns casos, de relatórios semanais. Por conta dessas determinações judiciais, ocorria que mais de um profissional acabava intervindo no mesmo caso. Em algumas situações, a criança e seus familiares chegam a ter contato com três profissionais de psicologia: a(o) do Serviço Auxiliar da Infância e Juventude (SAIJ), para Avaliação Psicológica no âmbito jurídico; a(o) da Secretaria Municipal de Saúde, para tratamento psicológico; e a(o) da Secretaria Municipal de Assistência Social, para acompanhamento do caso, não necessariamente nessa ordem.
Frente às determinações recebidas do Judiciário, algumas Psicólogas e Psicólogos passaram a encontrar dificuldades e até mesmo a se questionar quanto sua atribuição dentro dos órgãos que trabalham em relação aos casos de violência sexual e quanto ao que informar nos relatórios. A ideia das “Reuniões dos Psicólogos da Rede de Proteção da Criança e do Adolescente da Comarca de Wenceslau Braz” surgiu após o relato da mãe de uma vítima de abuso sexual à psicóloga da Equipe de Proteção Social Especial, Adriane do Nascimento Greskiv, que acompanhava à família em cumprimento a uma determinação judicial. Segundo a mãe, o filho não suportava mais relatar o abuso aos psicólogos. Adriane então procurou a psicóloga do SAIJ da Comarca de Wenceslau Braz, Ana Paula Rossito Mantoan, e juntas procuraram uma solução para situações futuras.
Com o apoio do Juiz de Direito da Comarca, Dr. Élberti Mattos Bernardineli, a psicóloga do SAIJ fez o levantamento dos psicólogos integrantes da rede de serviços públicos dos três municípios e foi estabelecido um calendário de reuniões mensais para o ano de 2016. Ainda em 2015 ocorreram, informalmente, três reuniões, ocasiões onde a proposta começou a ser estruturada. Todas as reuniões ocorrem no Fórum de Wenceslau Braz.
Atualmente, contamos com a participação de onze psicólogos, com a colaboração em momentos oportunos do Magistrado da Comarca, do Juiz Substituto Glaucio Francisco Moura Cruvinel, do Promotor de Justiça Joel Carlos Beffa, do Promotor Substituto Sílvio Rodrigues dos Santos Júnior e do Delegado de Polícia Miguel Chibani Bark Filho, para discussões referentes ao âmbito jurídico. O foco principal das reuniões tem sido a busca por estabelecer o fluxo de atendimentos e encaminhamentos de crianças, adolescentes e suas famílias.
Os frutos desse diálogo já estão sendo colhidos. A partir dessa organização, foi promovida a primeira reunião entre os psicólogos, as autoridades citadas e os conselheiros tutelares dos três municípios que integram a Comarca, no dia 29 de abril de 2016. O objetivo dessa ação inicial foi a aproximação dos profissionais, fortalecimento das redes de proteção e discussões acerca das formas de abordagens de crianças vítimas de violência sexual e de suas famílias, evitando, primeiramente, a não revitimização das mesmas e, por conseguinte, não prejudicar as investigações.
Durante as reuniões, discute-se a função do psicólogo dentro de cada equipamento que compõe as redes e como seu conhecimento teórico e técnico podem contribuir de forma efetiva por meio dos atendimentos e relatórios, sem violar o Código de Ética do Profissional de Psicologia e as Resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e garantindo a proteção da criança e do adolescente. Hoje os profissionais se sentem mais seguros em suas contribuições e têm portas abertas para dialogar com os representantes do sistema de justiça.
A experiência na Comarca de Wenceslau Braz tem mostrado que, por meio do diálogo, é possível estreitar relações; e com o trabalho em rede, enfrentar dificuldades, viabilizar melhorias nas condições de atendimento e na busca pelos direitos das crianças e dos adolescentes, contribuindo cada vez mais para o fortalecimento da profissão.
Ainda em 2016, as autoridades e os psicólogos irão desenvolver estratégias de caráter preventivo, buscando a não revitimização da criança e do adolescente, com as equipes pedagógicas, professores e os conselhos tutelares dos três municípios que integram a comarca, para estabelecerem formas de abordar e encaminhar de maneira adequada os casos de violência sexual que são revelados dentro das instituições de ensino. Serão cerca de 670 profissionais envolvidos. Não é uma tarefa fácil, mas com o trabalho em rede espera-se alcançar bons resultados.
Ana Paula Rossito Mantoan é psicóloga, ocupante do cargo de Analista Judiciária da Especialidade Psicologia, do Quadro de Pessoal do 1º Grau de Jurisdição do TJPR, lotada na comarca de Wenceslau Braz. É especialista em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise pela PUC/PR e Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Crianças e Adolescentes pela FIOCRUZ.
2 Comentários
Bom dia,
Gostaria, se possível, de obter a informação de quantos psicólogos e assistentes sociais efetivos atuam hoje no TJPRe o número de cargos vagos. Possuo um blog sobre psicologia jurídica e estou fazendo publicações sobre o número desses profissionais nos TJs e não consegui encontrar essa informação no portal de transparência do tribunal. Desde já agradeço.
É de conhecimento da ANJUD que, atualmente, as equipes multidisciplinares do TJPR são compostas por 178 Analistas Judiciários da Especialidade Psicologia, 23 Analistas Judiciários da Especialidade Serviço Social e 64 Técnicas Especializadas, sendo que o Departamento de Gestão de Recursos Humanos não possui anotações mais detalhadas sobre a formação destas últimas.
Maiores informações poderão ser obtidas no referido departamento, por meio do telefone 41 3200-2000.
Att., Conselho Diretor.