Prisão cessa o abuso físico, mas nem sempre apaga os traumas psicológicos

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Via Folha Extra:

Nesta terceira edição da série Abuso Sexual Infantil, a Folha Extra mostra que apesar dos esforços das autoridades para prender criminosos sexuais, a prisão é apenas o primeiro passo, mas nem sempre cessa o sofrimento da vítima que pode carregar as consequências do abuso para a vida adulta, em relacionamentos, vida profissional, apresentando comportamentos que comprometerão sua vida social pro resto da vida

As consequências do abuso sexual não produz o mesmo resultado sobre todas as crianças e adolescentes que a vivenciam, é algo muito subjetivo, dependerá de alguns determinantes; idade da vítima, tempo de duração do abuso, do gênero e do sexo do abusador, da relação afetiva de ambos, se houve violência ou não, etc.

Cada vítima, como ocorre em outras situações difíceis de nossa vida, vivencia de uma maneira sua experiência abusiva: algumas negam, fazem de conta que nada aconteceu ou está acontecendo, outras se sentem culpadas e desenvolvem transtornos mentais (não dormem, não comem, ficam deprimidas ou demonstram ansiedade excessiva, comportamentos sexualizados e inadequados para a idade, etc).

A psicóloga jurídica Ana Paula Rossito Mantoan que faz a avaliação psicológica e, na maioria dos casos, o depoimento especial das vítimas, explica como seu olhar deve transmitir neutralidade diante dos fatos relatados. “Nós que trabalhamos na escuta de crianças e adolescente vítimas de violência sexual, precisamos habilitar nosso olhar e nossa escuta para percebermos como as crianças ou os adolescentes que tiveram sua sexualidade invadida precocemente vão expressar sua dor”, explica.

Segundo a psicóloga, estas vítimas quando adultos podem apresentar dificuldade para estabelecer relações afetivas e amorosas, dificuldade no desenvolvimento da sexualidade saudável, tendência a sexualizar os relacionamentos sociais, sentimentos de menos-valia, complexo de traição (quando o autor do abuso foi alguém em quem confiava), uso de substâncias psicoativas, prostituição, entre outros comportamentos.

“A superação da vivência traumática vai depender das condições psíquicas de cada criança ou adolescente. Quando bem-sucedida, a vítima, apesar da dor, consegue seguir sua vida através do consentimento de novas relações, de vínculos mais saudáveis, que vão ajudá-la a refazer sua vida escolar, familiar, afetiva e, algumas vezes, até profissional”, continua.

Entretanto, existem crianças, adolescentes e famílias que não conseguem superar o trauma deixado pela violência sexual, estas tendem a ser dominados pela angústia paralisante e encontram muitas dificuldades para retomar suas vidas.

PRISÃO X SOLUÇÃO
Na comarca de Wenceslau Braz, conforme anota o Delegado de Polícia, Miguel Chibani, na imensa maioria dos casos de violência sexual, atendidos nos três municípios, viu-se a necessidade de o Poder Judiciário decretar a prisão cautelar do investigado. Apesar da medida, que impede a continuidade dos atos libidinosos, o dano psíquico permanece como explica Ana Paula.

“A VÍTIMA, MESMO DEPOIS DA DENÚNCIA, E, MUITAS VEZES, APÓS A PRISÃO DO ACUSADO, É QUEM MAIS SOFRE COM AS IMPLICAÇÕES DESSE CRIME, POIS NÃO POSSUI MATURIDADE PARA LIDAR COM A EXPERIÊNCIA SEXUAL PRECOCE QUE VIVEU E COM AS CONSEQUÊNCIAS QUE A REVELAÇÃO TRAZ A ELA E A SUA FAMÍLIA”.

Muitas vítimas de abuso acabam carregando as cicatrizes para sempre e podem nunca superar as situações às quais foram submetidas e que acabam refletindo, direta ou indiretamente, por toda vida da vítima e de seus familiares. Segundo a psicóloga, estes quando adultos podem se mostrar propensos a separações e conflitos, dificuldades financeiras, exposição social e até mesmo saudades do agressor, quando este é afetivamente próximo a ela.

ACOMPANHAMENTO
Após a situação ser apresentada ao delegado, o Conselho Tutelar aplica as medidas de proteção que são atribuídas ao órgão e previstas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Essas medidas consistem em acompanhamento psicológico junto à Secretaria de Saúde; solicitação para acompanhamento psicossocial junto à Assistência Social; quando necessário, em caso de perigo eminente dentro do lar, visando a proteção da vítima, buscam alguém da família extensa para receber a criança, de forma provisória. A opção extrema, quando esgotada a possibilidade de colocação em família extensa, é o acolhimento institucional.

*Ana Paula Rossito Mantoan é Analista Judiciária Psicóloga do quadro de servidores do TJPR e filiada à ANJUD.

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